A MORTE SENTIDISSIMA DO SERENÍSSIMO PRÍNCIPE IMPERIAL O SENHOR D. PEDRO.
A SUA MAGESTADE O IMPERADOR.
I.
Morreste, como a folha verde e linda,
Que não vio murcho o esmeraldino encanto;
Bem como um ai que melindroso finda,
Em quanto as faces não roreja o pranto!
Bem como a flôr inda em botão ceifada,
Em quanto aromas recendia pura ;
Bem como a onda, quando mal formada,
Nos brancos frisos do areai murmura!
Bem como a aurora tímida que morre,
Em quanto os céos de rosicler matisa;
Bem como o sopro de ligeira brisa,
Que entre os olores da manhã discorre!
Mimosa espr'ança do Brasil, batendo
Ás férreas portas da existência, viste
O mundo afílicto e a humanidade triste
Seu negro fado e sua dôr soffrendo !
Cheio de compaixão atraz voltaste
Do horrifico espectaculo, tapando
Com as azas do anjo o rosto brando,
E no seio do Eterno te asylaste.
Morreste! como aurora sem poente,
Como flor, que perfume inda exhalava,
Como o sopro da brisa recendente,
Como a onda, que apenas se formava!
Morreste ! como a folha verde e bella
N'um tronco forte a despontar louçã,
Não arrancada á sanha da procella,
Mas leve solta aos beijos da manhã.
Morreste! como lâmpada brilhante,
Inda virgem, sem dar mystica luz ;
Ou turib'lo d'incenso crepitante,
Esquecido nos braços de uma cruz.
Morresle ! e os anjos da eternal morada
Levarão entre palmas e capellas
Tua alma, como uma harpa não tocada,
Aquelle, cujo throno é sobre estrellas,
Morreste! como aurora sem poente,
Comoflorque perfume inda exhalava,
Como o sopro da brisa recendente,
Como a onda que apenas se formava.
Nenhum bulcão toldou a aurora maga,
Em quanto no horisonte apavonou-se,
A brisa em vendaval não transtornou-se;
A folha em cinza, nem a onda em vaga.
II.
Não ouviste, oh bello anginho,
Na hora do passamento
Para abrandar teu tormento
Do berço teu ao redor,
Dos teus irmãos a phalange
Com opas de luz brilhante,
Nas harpas de diamante
Cantar hosanna ao Senhor ?
Teu espirito innocente,
Tocado da luz divina,
Que a fraca mente illumina
Dos resplendores de Deos,
Não antevio outros gozos,
Não correu nos frouxos ares,
Não foi roçar nos palmares,
Nas rosas puras dos céos ?
Viste-os, sim; porém voltando
Outra vez á vida escassa,
Tua alma triste esvoaça
Sobre os teus restos mortaes ;
E entre os rostos que divisas,
Que a tua vida pranteião,
Entre quantos te rodeião,
Tu não enchergas teus pães!
Corres então a trazer-lhes
Nas meigas azas brilhantes
Dos teus últimos instantes
O teu alento final;
E em redor delles choraste
De não ter deixado a vida,
Por extrema despedida,
N'um amplexo paternal!
Vai, ó anjo, sobe, vôa,
Deixa a terra ingrata e rude,
Vai onde mora a virtude,
E prêmio a innocencia tem;
Mas nos divinos prazeres,
Mas no celeste cortejo,
Terás o materno beijo,
Não serás orphão também?
III.
Desprega tuas azas de cores suaves,
Adeja no espaço, procura o leu Deos:
O aroma das flores, o canto das aves,
O que ha de mais puro se entranha nos céos.
Oh ! foge da terra! bem como a neblina
Que em rolos de neve, que espuma figura,
Mais frouxa, mais leve, na luz matutina,
Qual nuvem d'incenso, do céo se pendura.
Mas quando a balança dos nossos destinos,
Na grávida concha dos nossos peccados
Sumir-se no abysmo—dos raios divinos
Os golpes*apara nos contos dourados.
Não caia do Eterno a justa inclemencia
No povo, que soube teu berço guardar;
Ampara-o nas azas da tua innocencia,
Que os prantos de um anjo nos podem salvar.
Desdobra tuas azas de cores suaves,
Adeja no espaço, procura o teu Deos:
O aroma dasflores, e o canto das aves
E o que ha de mais puro se perde nos céos.
IV.
SENHOR, se na afflicção que te consome,
Na dôr immensa, que teu peito acanha,
Pôde erguer-se do bardo a voz sentida
E aos teus soluços misturar seu pranto;
Se a dôr do pae não absorva inteiro
O peito augusto do Monarcha excelso,
Enxuga as tristes lagrimas que vertes!
Melhor, talvez, que o throno é ver chorando
Um povo inteiro em torno de um sepulchro,
Um vácuo berço de seu pranto enchendo!
A sorte pois te curva, e á lei d'aquelle
(Involta em seus recônditos desígnios)
A quem aprouve nivelar, cortando
Co' o mesmo golpe as esperanças de ambos,
—A dôr de um pae e as afflicções de um povo!—
Janeiro 10, de 1850.
Elegia fúnebre para o filho de D. Pedro II, no qual é ressaltada a morte prematura e trágica para seu pai e para o reino (1 ano de idade). Pede para que sua alma interceda pelo Brasil
Parte 1: 11 quadras decassílabas A-B-A-B
Parte 2: 5 estrofes com 8 versos em redondilha maior. Rimas entre os versos 2-3 e entre 6-7.
Parte 3: 5 quadras hendecassílabas. Rimas alternadas.
Parte 4: 1 estrofe com 15 versos, decassílabos. Versos predominantemente brancos.