Como se ama o silencio, a luz, o aroma,
O orvalho n'uma flor, nos céos a estrella,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horisonte assoma;
Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosissimas do nauta,
Quando em molle vai-vem a náo fluctua ;
Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céo com luzes, um jardim com flores,
Um canto quasi em lagrimas sumido;
Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viraçáo que o bosque ondeia,
O susurro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e seductora ;
Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céos,
O silencio, as cores, o perfume, a vida,
Aos paes o á pátria e á virtude e á Deos.
-----
Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-t'o os lábios meus,—mais do que vale
Cantar a voz do trovador cançada:
O que é bello, o que é justo, santo e grande
Amo em ti.—Por tudo quanto soffro,
Por quanto já soffri, por quanto ainda
Me resta de soffrer, por tudo eu te amo.
O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh ! nunca saibas
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo í
Esta occulta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, náo suppões, nem te revelo,
Só pode no silencio achar consolo,
Na dôr augmento, interprete nas lagrimas.
-----
De mim não saberás como te adoro ;
Não te direi jamais,
Se te amo, e como, e a quanto extremo chega
Esta paixão voraz!
Se andas, sou o écho dos teus passos;
Da tua voz, se fallas;
O murmúrio saudoso que responde
Ao suspiro que exhalas.
No odor dos teus perfumes te procuro,
Tuas pegadas sigo;
Velo teus dias, te acompanho sempre,
E não me vês comtigo!
Occulto, ignorado me desvelo
Por ti, que me não vês;
Aliso o teu caminho, esparjo as flores,
Onde pisão teus pés.
Mesmo lendo estes versos, que m’inspiras,
Não pensa em mim, dirás:
Imagina-o, si o podes, que os meus lábios
Não t'o dirão jamais!
-----
Sim, eu te amo; porém nunca
Saberás do meu amor;
A minha canção singela
Traiçoeira não revela
O prêmio sancto que anhela
O soffrer do trovador !
Sim, eu te amo; porém nunca
Dos lábios meus saberás,
Que é fundo como a desgraça,
Que o pranto não adelgaça,
Leve, qual sombra que passa,
Ou como um sonho fugaz !
Aos meus lábios, aos meus olhos
Do silencio imponho a lei;
Mas lá onde a dôr se esquece,
Onde a luz nunca fallece,
Onde o prazer sempre cresce,
Lá saberás se te amei!
E então dirás: « Objecto
Fui de sancto e puro amor,
A sua canção singela,
Tudo agora me revela;
Já sei o prêmio que anhela
O soffrer do trovador.
« Amou-me como se ama a luz querida,
Como se ama o silencio, os sons, os céos,
Como se ama as cores, o perfume, a vida,
Os paes e a pátria, e a virtude e a Deos!
« Amo-o agora também como as estrellas,
Como as harpas divinas, como aos céos,
Como aos anjos de palmas e capellas,
Que entoão coros mysticos a Deos! »