A D. A. C. G. A.
I.
Que sonha a donzella,
Tão vaga, tão linda,
Bemquista e bem vinda
Na terra eno céo?
Que scisma? que pensa?
Que faz ? que medita,
Que o seio lhe agita
Tão bravo escarcéo?
Que faz a donzella,
Se lagrimas quentes
Das faces ardentes
Lhe queimão a tez?
Que sonha a donzella,
Se um riso fagueiro,
Donoso e ligeiro
Nos lábios lhe vês?
Que faz a donzella,
Que scisma, ou medita?
Talvez lá cogita
Fruir algum bem;
Então porque chora?
Se curte agras dores
D'ingratos amores,
O riso a que vem?
Semelha a donzella,
Que ri-se e que chora,
A limpida aurora,
Que orvalha dos céos;
Não luz mais brilhante,
Não chora mais prantos,
Não tem mais encantos,
Que um riso dos seus.
II.
Quem me dera saber quaes são teus sonhos,
Aventar teus angélicos desejos,
Saber de quantas ledas fantasias,
De quantos melindrosos pensamentos
Um suspiro se nutre, um ai se gera.
Virgem, virgem de amor, que vais boiando
A flor da vida, como rosea folha,
Que aragem branda sacudio nas águas;
Que gênio bom a mágica vergasta
Em troco de um sorriso te concede?
Que poderosa fada te embalsama
A vida e os sonhos?—que celeste archanjo
Embala, agita as creações que idéas,
Como em raio do sol dourados átomos,
Com que invisível ser brincar parece!
Virgem, virgem de amor, quaes são teus sonhos?
III.
Talvez quando o sol nasce, lá divisas
Na liquida extensão do mar salgado
Correr com mansas brisas
Um ligeiro batei aparelhado.
As velas de setim' brancas de neve
Rutilão d'entre as flamulas e cores,
E o barco airoso e leve
Nos remos voga de gentis amores.
Não formão rijos sons celeuma dura,
Nem a companha entre bulcões desmaia;
Aragem fresca e pura
Doces carmes de amor conduz á praia.
Sonhas talvez nas orlas do occidente,
De um regato sentada a branda margem,
Ver surgir de repente
De uma cidade a caprichosa imagem !
Soberbas construcções fantasiando,
Vês agulhas sublis cortando os céos,
E a luz do sol doirando
Rulilos tectos, altos corucheos.
Sonhas talvez palácios encantados.
Espaçosos jardins fontes de prata,
Vergeis de sombra grata,
Onde a alma folga, isenta de cuidados.
Sonhas talvez, mas innocente Armida,
Passar a fácil quadra dos amores,
Tendo em laço de flores
Preso de quem mais amas peito e vida !
IV
Quem me dera saber quaes são teus sonhos,
Aventar teus mais Íntimos desejos,
E ser o gênio bom que t'os cumprisse !
V.
Nem só praseres medita,
Nem só pensa em bellas flores;
Muitas ha que almejão dores,
Como outras buscão amor:
É que as punge atra amargura,
Que o peito anceia e fatiga ;
É sede que só mitiga
Talvez affliccão maior.
Quasi gosão, quando soffrem
Um pranto cançado e lento;
Quando um comprido tormento
Lhes derrete o coração:
Não é martyrio de sangue,
Como nas eras passadas;
Mas ha lagrunas choradas,
Que também martyrio são.
Ha dores que melhor ralão
Que provas d'água ou de fogo,
Que ver apinhado o povo
N'um banquete canibal;
Que sentir no amphitheatro
As vivas carnes rasgadas,
Pelas unhas afiadas
De um fero lobo cerval.
VI.
Quem me dera saber quaes são teus sonhos,
Aventar teus mais fundos pensamentos,
E ser o gênio bom que t'os cumprisse,
Quando fossem de amor teus meigos sonhos!
VII.
Mas donde mana essa fonte
De inexplicável ternura,
Que os golpes da desventura
Não podem jamais cançar;
Essa vida toda extremos,
Esse ardor de todo o instante,
Esse amor sempre constante,
Que nunca se vê mingoar ?
Quizera virgem donosa
Saber a origem divina
Dessa fonte perigrina
De tanta luz e calor;
Então pudera em meus cantos,
Tratar dos teus meigos sonhos,
Formar uns quadros risonhos
De quanto sentes de amor.
Roubando as cores do íris,
Das estrellas os fulgores,
O aroma que tem as flores,
O vago que tem o mar;
Talvez poderá os mysterios,
As douradas phantasias,
As singelas alegrias
D'um peito virgem cantar.