(TRADUÇÃO)
Eis que tomba da abobada celeste
O archanjo audaz, o seraphim manchado.
Desenrolando o corpo volumoso,
Despenhado precipite,—qual mundo
Dos eixos arrancado,—como um vivo
Dos céos fragmento'enorme elle cabia !
Cahia lá d'aquelles céos brilhantes,
Donde inda os seos iguaes lançavão raios;
Cahia!—e a cerviz no espaço ardendo
As espheras dos soes de côr de sangue,
Passando, avermelhava.
Eil-o, o maldicto, o archanjo da blasfêmia,
Rival do credor!—te o imo peito
Pelas frechas da anáthema varado,
Como n'um turbilhão, desce rodando;
Ondas d'um mar de fogo o vem cercando,
E elle occulta a cabeça,
Como que procurasse
Nas entranhas da noite
Esconder seu desdoiro.
Clamavão—longe—os mundos com voz forte:
« Que insensato! onde vai? Nesse arrojado,
Frenético voar, que vento o impelle,
Que de astro em astro vai, d'um céo em outro?
Vede como é sombrio !
Oh! quam outro que está d'aquelle archanjo
De tão bello semblante,
Lucifer radiante,
Cujo sopro era como o romper d'alva,
Que as portas da manhã nos céos abria,
Trazendo comsigo a aurora,
Que o seo alento accendia!
Acaso o reconhecestes?
Era hontem brilhante, novo e bello;
E hoje é feio e nu e descalvado,
Nas azas da tormenta balouçado,
Nas azas dos bulcões;
E os seos olhos fulminados
Já sem pupilas fumegão
Quaes crateras de vulcões!
O archanjo os escutava, ameaçando-os
Co'o olhar fulminante;
Que cheio d'impio orgulho já sentia
Uma c'rôa de rei cingir-lhe a fronte.
Todos os astros que no espaço gyráo
Seos olhos d'irritados fascinavão;
E os astros todos de terror tremiáo,
Saudando a coruscante realesa.
E já os céos sem fim, estrellas, mundos
Traz delle se perderão;
E nas profundas solidões do espaço
O archanjo abandonado apenas via
A noite, e sempre a noite!
Tem medo, olha, procura.... —Um astro! um astro
Transviado nos céos!—O archanjo o avista !
Estende a mão convulsa arrepellando-o;
Segura, arrasta-o, e d'um só pulo hardido
Tral-o potente ao limiar do inferno,
Alentando açodado.
O errante cometa duas vezes
Ao tetro boqueirão levou comsigo,
E duas vezes, como um negro abutre,
Lutando corpo a corpo, de cançaço
Sentio-se esmorecer.
Duas vezes também o astro victima,
Supplicando medroso, as igneas azas
Bateu, sublime grito aos céos mandando.
O nome do Senhor por duas vezes
O rebelde venceo,—elle sosinho
Cahio no fundo abysmo.