O guerriers ne laissez pas ma dépouille au corbeau !
Ensevelissez-moi parmi des monts sublimes,
Afin que 1'étranger cherche, en voyant leurs cimes,
Quel montagne est mon tombeau !
V. HUGO. Le Gèant.
I.
Gigante orgulhoso de fero semblante,
N'um leito de pedra lá jaz a dormir !
Em duro granito repousa o gigante
Que os raios somente poderão fundir.
Dormido atalaia no serro empinado
Devêra cuidoso, sauhudo velar ;
O raio passando o deixou fulminado,
E á aurora que surge não hade acordar !
Co' os braços no peito crusados nervosos,
Mais alto que as nuvens, os céos a encarar,
Seu corpo se estende por montes fragosos,
Seus pés sobranceiros se arrojão do mar !
De lavas ardentes seus membros fundidos
Avultão immensos : só Deos poderá
Rebelde lançal-o dos montes erguidos,
Curvados ao peso que sobre lhes stá.
E o céo, e as estrellas, e os astros fulgentes
São velas, são tochas, são vivos brandões,
E o branco sudario são nevoas algentes,
E o crepe que o cobre são negros bulcões.
Da noite que surge no manto fagueiro
Quiz Deos que se erguesse, de junto a seus pés,
A cruz sempre viva do sul no cruzeiro,
Deitada nos braços do eterno Moysés.
Perfumão-no odores que as flores exhalão,
Bafejão-no carmes dé um hymno de amor
Dos homens, dos brutos, das nuvens queestalão
Dos ventos que rugem, do mar em furor,
E lá na montanha, deitado dormido
Campeia o gigante,— nem pode acordar!
Crusados os braços de ferro fundido,
E a fronte nas nuvens, e os pés sobre o mar !
II.
Banha o sol os horisontes,
Trepa os castellos dos céos,
Aclara serras e fontes,
Vigia os domínios seus :
Já descahe p'ra o occidente,
E em globo de fogo ardente
Vai-se no mar esconder;
E lá campeia o gigante,
Sem destorcer o semblante,
Immovel, mudo, a jazer !
Vem a noite após o dia,
Vem o silencio, o frescor,
E a brisa leve e macia
Que lhe suspira ao redor;
E da noite entre os negrores
Das estrellas os fulgores
Brilhão na face do mar:
Brilha a lua scintillante,
E sempre mudo o gigante,
Immovel, sem acordar !
Depois outro sol desponta,
E outra noite tambem,
Outra lua que aos céos monta,
Outro sol que após lhe vem :
Após um dia outro dia,
Noite após noite sombria,
Após a luz o bulcão,
E sempre o duro gigante,
Immovel, mudo, constante
Na calma e na cerração !
Corre o tempo fugidio,
Vem das águas a estação,
Após ella o quente estio
E ainda após o verão :
Crescem folhas, vingão flores,
Entre galas e verdores
Sazonão-se fructos mil;
Cobrem-se os prados de relva
Murmura o vento na selva
Azulão-se os céos de anil !
Tornão prados a despir-se,
Tornão flores a murchar,
Tornão de novo a vestir-se,
Tornão depois a seccar;
E como gota filtrada
De uma abobeda escavada
Sempre, incessante a cahir,
Tombão as horas e os dias,
Como phantasmas sombrias,
Nos abysmos do porvir !
E no feretro de montes
Inconcusso, immovel, fito,
Escurece os horisontes
O gigante de granito:
Com soberba indifferença
Sente extincta a antiga crença
Dos Tamoyos, dos Pagés,
Nem vê que duras desgraças,
Que lutas de novas raças
Se lhe atropellão aos pés !
III.
E lá na montanha deitado dormido
Campeia o gigante! — nem pode acordar!
Crusados os braços de ferro fundido,
E a fronte nas nuvens, e os pés sobre o mar
IV.
Vio primeiro os incolas
Robustos das florestas,
Batendo os arcos rígidos
Traçando homereas festas,
A' luz dos fogos rutilos,
Aos sons dos murmure !
E em Guanabara esplendida
As danças dos guerreiros
E o guáu cadente e vário
Dos moços prasenteiros,
E os cantos da victoria
Tangidos no boré.
E das igaras concavas
A frota aparelhada,
Vistosa e formosíssima
Cortando a undosa estrada,
Sabendo mas que frágeis
Os ventos contrastar :
E a caça leda e rápida
Por serras, por devesas,
E os cantos da janubia
Junto ás lenhas accesas,
Quando o tapuya mísero
Seos feitos vai cantar !
E o germen da discórdia
Crescendo em duras brigas,
Ceifando os brios rústicos
Das tribus sempre amigas, —
Tamoy a raça antigua,
Feroz Tupinambá.
La vai a gente improvida,
Nação vencida, imbelle,
Buscando as matas invias
Donde outra tribu a expelle;
Jaz o pagé sem gloria,
Sem gloria o maracá.
Depois em náos flammivomas
Um troço hardido e forte,
Cobrindo os campos humidos
De fumo, e sangue, e morte,
Traz dos reparos horridos
D'altissimo pavez :
E do sangrento pelago
Em míseras ruinas
Surgir galhardas, límpidas
As portuguezas quinas,
Murchos os lises cândidos
Do impávido gaulez !
V.
Mudarão-se os tempos e a face da terra,
Cidades alastrão o antigo paul;
Mas inda o gigante que dorme na serra
Se abraça ao immenso cruseiro do sul.
Nas duras montanhas os membros gelados
Talhados a golpes de ignoto buril,
Descança, oh gigante, que encerras os fados,
Que os términos guardas do vasto Brasil
Porém se algum dia fortuna inconstante
Poder-nos a crença e a pátria acabar,
Arroja-te ás ondas, oh duro gigante,
Inunda estes montes, desloca este mar !
O texto que abre o livro Últimos Cantos e, portanto, a seção das Poesias Americanas, chama-se o Gigante de Pedra. Sua mensagem gira em torno da beleza da Baia de Guanabara, sendo uma verdadeira ode à construção geológica e da flora do lugar. Dividido em 5 partes, o poema também é uma demonstração de maestria poética do autor, que alterna gêneros líricos, métricas e rimas para compor sua homenagem. Além disso, a abertura do poema feita com uma epígrafe de Victor Hugo, o grande escritor romântico francês, chama a atenção à erudição e filiação do poeta.
O gigante de pedra nada mais é do que a cadeia montanhosa da baia de Guanabara vista pela perspectiva de quem chega ao Rio de Janeiro pelo mar.